Um dos momentos mais emblemáticos na história da luta
feminina pela igualdade de direitos aconteceu no final da tarde do dia 25 de
março de 1911 quando 150 mulheres, em sua maioria imigrantes judias e
italianas, morreram em um incêndio na Triangle Shirtwaist Company, em Nova
Iorque.
Embora algumas versões apontem que os patrões fecharam as
portas da fábrica propositalmente, sabe-se que elas eram mantidas trancadas
como costume, para evitar a saída das trabalhadoras no horário do expediente. O
acidente, que acabou por revelar as condições degradantes das quais as mulheres
eram submetidas, deu força e visibilidade a luta feminista que, mais tarde,
conquistaria direitos fundamentais para as mulheres.
Apesar delas serem parte da produção industrial desde a Revolução
Industrial, a luta por direitos se intensificou apenas no século XX, quando
elas se tornaram fundamentais nas fábricas, enquanto os homens estavam nos
fronts de batalha da Primeira e Segunda Guerra Mundial. As primeiras
manifestações feministas por melhores condições de trabalho e direito ao voto
datam de 1850, mas é o movimento dos Direitos Civis, da década de 60, do século
XX , que é apontado como fundamental para a inclusão feminina no mercado de
trabalho.
No Brasil, a primeira legislação protegendo as mulheres é de
1827, quando uma lei passou a admitir meninas nas escolas elementares. O
direito ao voto chegou mais de 100 anos depois, em 1934, durante o primeiro
governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Porém, apesar dos avanços, a
desigualdade de gêneros ainda é marca profunda no mercado de trabalho em todo o
país.
No decorrer desta semana o Jornal do Brasil publica
uma série de reportagens abordando os diversos aspectos e a condição da mulher
na realidade brasileira. Amanhã, João Pedro Azevedo, economista sênior do Banco
Mundial, comenta os desafios para o país no combate a desigualdade de gêneros.
Queda da desigualdade beneficia mulheres
A desigualdade social no Brasil alcançou o índice mais baixo
da história este ano, segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) divulgada no último mês. A principal razão para esta evolução se deve
a expansão do mercado de trabalho, principalmente o formal, como apontaram especialistas ouvidos pelo Jornal do Brasil.
Estes avanços beneficiaram diretamente as mulheres, já que elas são maioria na
camada "mais baixa" da pirâmide, principalmente quando se analisa o
mercado de trabalho. Os números demonstram a desigualdade.
Segundo dados do IBGE, 51,2% das mulheres estão no trabalho
informal e 11,6% das mulheres ocupadas com 16 anos ou mais não têm rendimentos,
trabalham para o próprio consumo ou não tem qualquer tipo de remuneração. Uma
em cada cinco delas são empregadas domésticas e, apesar de maior escolaridade,
as mulheres ainda recebem, em média, 70% da remuneração masculina.
Estas diferenças são apenas a ponta do problema. A condição
feminina geral é de vulnerabilidade e precariedade, e a desigualdade de gêneros
ainda é realidade, como evidenciam os dados sobre a renda e empregabilidade das
mulheres brasileiras.
Autonomia e Dupla Jornada
A autonomia financeira é apontada por especialistas como
fundamental para que as mulheres consigam outros direitos fundamentais. “É apenas
com esta autonomia que elas terão poder e independência para lutar contra
outras desigualdades”, analisa Glaucia Faccaro, coordenadora-geral de Programas
e Ações do Trabalho da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).
O número de famílias lideradas por mulheres teve aumento
substancial nos últimos anos: de 26,55% em 2000 para 37,4% em 2012, de acordo
com a mesma pesquisa. Porém, o número esconde um problema fundamental
enfrentado pelas mulheres: a dupla ou “até a tripla” jornada de trabalho, sendo
elas responsáveis pelo trabalho, a casa e os filhos. A co-participação dos
homens na vida familiar ainda é baixa. “Elas acabam sobrecarregadas, mais
estressadas e ainda sem tempo para se dedicar as atividades que podem melhorar
suas vidas”, afirma Glaucia.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
do IBGE de 2006, juntando as horas gastas com o trabalho formal e dentro de
casa, as mulheres chegam a trabalhar mais de 58 horas por semana, treze a mais
que os homens. E é este “tempo da mulher” que a historiadora Eleutéria Amora da
Silva gosta de destacar em meio aos seus trabalhos como coordenadora-geral da
Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra), no Rio de Janeiro.
“Uma das piores conseqüências é o abandono do estudo. Quem
trabalha essa quantidade de tempo, com filhos, não tem forças nem tempo para
estudar. Faltam às empresas creches e políticas de apoio para que as mulheres
possam também ascender profissionalmente”, enfatiza.
Além disso, a quantidade de mulheres que ocupam cargos de
chefia também é muito baixo: apenas 23% na presidência ou posições similares.
As questões culturais, que as colocam sempre no papel de “cuidadora” e
“protetora” acabam afastando a sua participação em algumas profissões mais
técnicas que remuneram melhor, como engenharia, por exemplo. É o que afirma
Glaucia.
"As profissões tidas como femininas estão sempre ligadas
as relações humanas, como enfermagem, professora, por exemplo". Segundo
ela, as políticas públicas de incentivo a qualificação da mulher, realizadas
pela SPM, tem surtido efeito. "Há interesse pela área, mas permanece uma
barreira cultural muito forte ainda".
Estudante de engenharia, Juliana Nunes, de 25 anos, é um
típico exemplo desta mulher que começa a aparecer na mão de obra brasileira.
Ela chegou a se formar em Pedagogia antes de perceber que gostava mesmo de
outra área. "Sempre adorei matemática, mas não pensava em engenharia, até
ver meu irmão se dando bem na carreira. Aí, tomei coragem e fiz. Ganhava mal e
não me sentia realizada antes", contou.
Assédio e discriminação
Um dos problemas constantemente relatados para Eleutéria é o
assédio moral, sexual e a discriminação no ambiente de trabalho. "É
extremamente comum. Há casos de exploração, em que algumas acabam ficando 12,
14 horas por dia nos estabelecimentos", conta. Um levantamento recente,
realizado por um site especializado, revelou que 32% das mulheres entrevistadas
afirmam sofrer ou já ter sofrido assédio sexual no ambiente de trabalho.
Com apenas 24 anos, a assistente de projetos Letícia Alves
Maione, formada em Relações Internacionais, afirma já ter sentido na pele
discriminação e assédio no ambiente de trabalho. "Fui infantilizada
diversas vezes durante reuniões e apresentações de projeto, com trejeitos
usados para crianças mesmo. As pessoas tendem a diminuir suas críticas, te
colocam em um papel de fragilidade, de uma feminilidade negativa, como se
fôssemos mais fracas".
Ela contou ainda que o assédio dos chefes era comum.
"Eles tentavam estar comigo em momentos em que estivéssemos sozinhos, para
assediar mesmo, me chamando de 'gatinha' e fazendo insinuações. Você, como
subordinada, empregada, se sente vulnerável. Imagina se minha vida dependesse
deste emprego? Muita gente tem que conviver com isso diariamente",
lamenta.
A discriminação é muito pior para as mulheres negras. Neste
caso, a diferença de remuneração para um homem branco pode chegar a 40% do
salário deles. E a pressão para se "alinhar" aos padrões de beleza
europeu são grandes. "Uma de nossas atendidas aqui na Ong foi demitida por
se recusar a alisar o cabelo. E ela não é a única: vemos muito menos negras em
posições de exposição, como recepcionista ou vendedora, por exemplo",
conta Eleutéria.
Um dos principais projetos da Camtra acontece no mercado de
trabalho informal do Saara, no centro da capital fluminense. Lá, as
características que marcam a realidade da maioria das mulheres trabalhadoras
ficam evidentes. Segundo pesquisa realizada pela Ong, cerca de 64% está
empregada ilegalmente e mais de 75% das trabalhadoras que engravidaram perderam
o emprego ou o salário durante o resguardo. "Em alguns casos, as
funcionárias foram obrigadas a retornar ao trabalho apenas uma semana após o
parto", relata a coordenadora.
Políticas públicas são "fundamentais"
A equiparação de direitos entre homens e mulheres ainda é um
"grande desafio" para o país. Além do aumento da atuação das Ongs, as
políticas públicas de incentivo, dentro e fora das empresas, são consideradas
fundamentais para que a cultura de "inferioridade feminina" seja
eliminada de vez da cultura brasileira.
"Inegavelmente, existem avanços. Mas ainda temos medo de
andar sozinhas na rua, ou acreditamos ser culpadas quando somos assediadas
dentro do trabalho. Muitas coisas precisam mudar, temos um longo caminho pela
frente", finalizou Eleutéria.
Fonte: Jornal
do Brasil por Carolina Mazzi
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