De repente seu parceiro começa a controlar seu modo
de vestir, as suas amizades, pede para que você deixe de trabalhar e fique
em casa. Atenção, essas atitudes por vezes confundidas com cuidado e
carinho podem culminar em casos de violência doméstica.
Segundo a promotora de Justiça Valéria Scarance, muitas vezes
é dessa forma que os casos tendem a acontecer. 'Ciúmes e cuidado injustificado
seguidos de atitudes de isolamento e depreciação são sinais de que a mulher é
uma vítima em potencial da violência doméstica', observa.
Para que as mulheres fiquem alertas quanto aos sinais de que
podem vir a sofrer agressões, o Ministério Público do Estado de São Paulo
(MP-SP) distribui a cartilha 'Mulher, Vire a Página', destinada à orientação da
população sobre violência.
Distribuído em locais públicos e de forma gratuita, inclusive
pela internet, o
material marca a criação do GEVID - Grupo de Enfrentamento à
Violência Doméstica, do qual Valéria é secretária-executiva. O grupo tem
por objetivo 'auxiliar mulheres vítimas desse tipo de violência a encontrarem
meios de proteção e auxílio para saírem dessa situação'. Com atuação em toda a
capital paulista, deve mapear os casos a fim de criar uma maior
articulação com outros promotores e padronização de atendimento às vítimas.
A especialista promotora de Justiça Valéria Scarance
explica que a violência doméstica contra a mulher acontece, em regra, em casa,
e é crônica e crescente. E que algumas atitudes por parte do parceiro
ajudam a identificar se você pode vir a ser ou está passando por essa situação.
Cuidados injustificados: A dominação do homem acontece
aos poucos. Normalmente com orientações quanto às roupas que a mulher usa,
controle de amizades, demonstrando cuidado e ciúme não justificados.
Isolamento e depreciação
Isolamento: O agressor afasta a vítima de seus amigos,
da família, faz com que ela deixe o trabalho, estudos, a isola do convívio
social.
Depreciação: A depreciação acontece de uma forma direta
e indireta e é simples de identificar. 'Começa com piadinhas a respeito da
mulher feitas, inclusive, em público, críticas e ofensas veementes. Ela já está
isolada, rompeu com seu círculo de amizades, não tem fonte de renda e ainda vai
passar por essa depreciação. E é nesse momento de maior fragilidade que começam
as ameaças e depois as agressões', alerta a especialista.
Não confunda cuidado com dominação
A promotora de Justiça explica que a dominação 'acontece de
uma forma oculta, paulatina, muitas vezes imperceptível. Pode parecer que é
cuidado, amor, então fique atenta com as atitudes dele. A inversão de culpa,
por exemplo, é uma característica marcante da violência doméstica'.
Inferioridade e inversão de culpa: Com a mulher já
fragilizada, o homem faz com que ela se sinta inferior a ele. Mais do que isso,
o homem faz a vítima acreditar que a responsabilidade da violência que está
sofrendo é dela mesma. A dominação vai se exercer de tal forma que o agressor
justifica para a vítima seus atos com base em alguma conduta dela. É muito
comum casos de mulheres que acreditam mesmo que eles a agrediram porque elas os
provocaram ao descumprirem algum dever.
Não tome para si a culpa da agressão
Segundo a especialista, 'é muito importante que a mulher
possa identificar que a atitude de tomar para si a culpa da agressão é uma
conduta nociva a ela, não importa se a violência é psicológica, uma ameaça ou a
agressão física. Ela precisa entender que o único responsável pelo ato de
violência é o agressor. Ele age dessa forma porque incorporou um padrão
comportamental de violência, aprendeu que é dessa forma que ele se relaciona
com as mulheres e numa situação adversa ele deve, sim, usar a violência”.
Atenção para relações de amor e ódio
A especialista promotora de Justiça Valéria Scarance
lembra que outro aspecto importante de observar é que a vítima desenvolve uma
relação dúbia com o agressor. 'É uma relação de amor e ódio, pois, ao mesmo
tempo em que admira, o tem como companheiro, que ele é pai de seus filhos, não
se conforma com a violência. E ela consegue conviver com esses dois
sentimentos'.
Ciclo da violência contra a mulher
Segundo a promotora de Justiça, a violência contra a mulher
ocorre de forma cíclica. 'Chamamos de 'Ciclo da Violência da Mulher' e
consideramos que envolve três fases – tensão, explosão e lua de mel'.
Tensão, explosão e lua de mel: A tensão faz parte dos
conflitos iniciais em que a vítima evita discordar do parceiro e toma postura
omissa, pois acredita que assim evitará a agressão. Mas acontece que a agressão
não deixa de acontecer, é a fase da explosão. E quando acontece essa agressão e
ela tem a sensação de que não tem mais controle sobre a situação, vem a fase da
lua de mel, que é quando o agressor se arrepende e pede desculpas.
Exatamente por isso que a mulher mantém relação por muito
tempo com o agressor, pois ele não é violento o tempo todo. E, em regra, os
agressores são primários e com bons antecedentes, trabalhadores, bons cidadãos
e até religiosos. E, no fim, pedem perdão.
Denúncia X Mudança de comportamento
A especialista lembra que o fato de o agressor pedir perdão é
determinante para que a mulher evite a denúncia. 'E quando denuncia, o agressor
normalmente muda de comportamento e ingressa na 'lua de mel', pede perdão e
convence vítima e até familiares de que mudou e nunca mais vai agir dessa
forma. Por um tempo ele pode até mudar, mas normalmente volta a agredir a
mulher e cada vez com maior intensidade. A violência, nesses casos, tende a ser
crescente e, quanto mais ele agride, menor a possibilidade de reação da vítima.
Muitas delas só procuram ajuda quando estão com a sensação de que podem morrer
efetivamente.
Não hesite em denunciar
A especialista explica que as pessoas têm uma noção falsa de
que a violência doméstica não é algo grave. 'Esse tipo de violência tem índice
elevado, mas é difícil ser combatida por não haver testemunhas. Como disse,
acontece dentro de casa, o agressor se retrata e eles ingressam na fase de lua
de mel. Ainda tem o caso de a vítima ser convencida pela família a desistir da
denúncia e a questão de assumir a culpa. Muitas vezes a mulher nem se vê como
vítima, não tem consciência da gravidade da situação. Há casos extremos de
vítimas que morrem sem esboçar nenhuma reação, oposição'.
Ajude uma vítima de violência doméstica. Denuncie!
A especialista lembra que desde fevereiro de 2011, aconteceu
uma alteração importante na Lei Maria da Penha, que protege a mulher vítima de
violência. Por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), entende-se agora
que para os crimes de lesão corporal dolosa leve, a vítima não precisa
autorizar a ação do Estado. Apesar de alguns crimes praticados contra ela
dependerem do seu ‘sim’ para a efetivação do processo, no caso de lesão leve a
lei pode ser aplicada sem queixa da agredida, por denúncia de terceiros e
independente de ela querer ou não punir e processar o agressor.
De acordo com Valéria Scarance, um ponto positivo da lei foi
a inovação quanto às medidas protetivas: 'Entre 2011 e 2012 houve um aumento de
40% de medidas protetivas, que são medidas de urgência, como, por exemplo, a
determinação do afastamento do agressor, a proibição de aproximação da vítima
com limite de distância, a proibição de contato por qualquer meio, a suspensão
da visita aos filhos e ainda a proibição de frequentar determinados lugares,
como faculdade e emprego da vítima. Essa variação no número de medidas
protetivas não significa que houve um aumento da violência. O que acontece é
que a lei se tornou mais conhecida e os casos passaram a se tornar públicos'.
Ajude uma vítima de violência doméstica. Denuncie!
A promotora de Justiça explica que uma mulher vítima deixar
de noticiar a violência não é porque não deseja, mas porque não consegue. 'Se
não há um terceiro, um amigo, autoridade que incentive e a apoie, ela não tem
forças. Imagine, se nem conseguiu se opor às agressões que sofreu, como pode
ter força para enfrentar inquérito policial, processo, críticas da família? Há
muito sentimentos em jogo. Elas não conseguem arcar com o peso da
responsabilidade de um processo, tem a questão da relação de amor e ódio, a
situação financeira, o desamparo aos filhos, a exposição da família. Então,
quando o Estado toma uma decisão pela vítima, muitas vezes ela se sente
encorajada em relatar a agressão. Tenho visto muito em audiências mulheres que
não desejavam processar o agressor, mas quando perguntadas pelo juiz se aquilo
realmente aconteceu, acabam relatando o caso e ajudam no processo'.
Não aceite e nem perdoe a violência
A especialista relata que nem todos os casos terminam em
homicídio, mas que não se pode descartar essa possibilidade por conta dos bons
antecedentes do agressor. 'A oposição à violência é a única forma de evitá-la.
Não aceite a depreciação e controle sobre você, nem ameaças e não perdoe as
agressões. Essa posição que a mulher deve tomar pode evitar um mal maior'.
Outra dica da especialista para mulheres que sofreram
violência e entraram com processo é que não desistam do inquérito. 'Quando a
mulher é agredida e pede medida protetiva, normalmente, as agressões cessam. Ou
mesmo o simples fato de ela não desistir e registra um Boletim de Ocorrência.
Quando a vítima desiste do processo dá a chance de o agressor se sentir
empoderado e, muitas vezes, a agressão pode vir a acontecer com maior
intensidade'.
Violência doméstica não distingue condição social
Há a falsa concepção de que a violência doméstica só atinge
pessoas de classe mais baixa e com baixo nível sócio-educativo, segundo a
especialista. “A violência doméstica atinge todas as classes sociais e pessoas
de todos os níveis culturais. Isso demonstra como a violência é um problema que
merece atenção especial, considerando vítimas e agressores,” defende.
Mais sobre a cartilha “Mulher, Vire a Página”
A cartilha “Mulher, Vire a Página”, foi criada para a mulher
entender se está ingressando em ciclos de violência, quais são os seus direitos
e como procurar ajuda. O lançamento aconteceu no mês de setembro, na capital
paulista, na ocasião da oficialização do GEVID - Grupo de Enfrentamento à
Violência Doméstica, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), e
foram distribuídos mais de 20 mil exemplares para a população em geral. Outros
exemplares podem ser adquiridos em órgãos públicos e entidades que trabalham
com a defesa da mulher no Estado de São Paulo. Também é possível visualizar e
baixar a cartilha via internet no site
do Ministério Público.
Por KARINA COSTA
Fonte: hotmail notícias
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